A Lei da Ficha Limpa, nascida a partir da iniciativa popular, completa 15 anos na quarta-feira (4). Sancionada em 4 de junho de 2010, a lei é considerada um marco no combate à corrupção no Brasil. Atualmente, projetos em tramitação no Senado buscam alterar as regras para evitar a aplicação de prazos diferentes em cada caso. A tentativa de mudanças na lei gera discordância entre os senadores.
O projeto da Lei da Ficha Limpa teve origem em uma mobilização que reuniu mais de 1,5 milhão de s. A campanha, liderada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) recolheu, ao longo de mais de um ano, as s necessárias para a apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular (1% do eleitorado nacional) em todos os estados e no Distrito Federal. A mobilização pela aprovação foi intensa nas redes sociais.
— Não veio de cima pra baixo, nasceu da força da participação popular, com mais de um milhão de s e o engajamento direto de toda a sociedade, que exigiu mudanças concretas na política. (…) Votei favoravelmente com convicção, por entender que o mandato jamais pode servir de abrigo à impunidade. A política tem que ser espaço de serviço à população, não de proteção a quem viola a lei — lembrou o senador Paulo Paim (PT-RS) em entrevista à Agência Senado.
O texto foi entregue à Câmara dos deputados em 2009 e aprovado pela Câmara e depois pelo Senado em maio de 2010, por unanimidade. A sanção pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estava em seu segundo mandato, se deu em junho. Em 2012, no julgamento de ações declaratórias de constitucionalidade e de uma ação direta de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a constitucionalidade da lei.
Regras
O que a Lei da Ficha Limpa fez foi barrar as candidaturas de políticos condenados em decisão colegiada pela prática de crimes como corrupção, abuso de poder e compra de voto, entre outros. A lei estabeleceu 14 hipóteses que tornam um político inelegível, dentre as quais também estão a condenação à perda dos direitos políticos por lesão ao patrimônio público ou enriquecimento ilícito.
— A lei da ficha limpa é a mais importante das leis de iniciativa popular que o Brasil já conseguiu aprovar e trouxe como grande inovação esse filtro de qualidade ética, de honestidade para quem está na vida pública. É um avanço importantíssimo — disse o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) nesta segunda-feira (2).
Até então, as leis existentes previam hipóteses para o condenado ficar fora da vida pública, mas por um período menor, de até 3 anos. Com a Lei da Ficha Limpa, esse prazo pode chegar a 16 anos, no caso de senador, que tem mandato de oito anos. A lei diz que políticos condenados não podem concorrer novamente durante todo o período restante do mandato e nos oito anos seguintes ao término. De acordo com a lei, as regras valem para o caso de decisões transitadas em julgado (sem possibilidade de recurso) ou proferidas por órgão judicial colegiado.
Código Eleitoral
Nas últimas semanas, ganhou destaque a tentativa de alteração em regras da Lei da Ficha Limpa prevista no projeto do novo Código Eleitoral (PLP 112/2021). O texto, da Câmara, está sendo discutido pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e teve o último relatório apresentado pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI) em reunião no dia 28 de maio. O projeto pode ser votado na próxima semana.
O substitutivo apresentado pelo relator estipula que a inelegibilidade prevista na lei não ultraará oito anos, contados da decisão que aplicou a sanção. Pela lei atual, em diversos casos, o prazo é contado a partir do final do cumprimento da pena — para os que ficaram inelegíveis por alguma condenação penal — ou da legislatura ou do mandato.
Para o senador Eduardo Girão (Novo-CE), as mudanças pretendidas são uma tentativa de “desfigurar” a Lei da Ficha Limpa e são um “um golpe contra o desejo legítimo” da população de mais transparência e ética.
— Agora o presente de aniversário nos 15 anos é outra investida contra a lei. (…) A sociedade precisa acordar enquanto é tempo porque vem para praticamente aniquilar a lei da Ficha Limpa, afrouxando ali, afrouxando acolá — afirmou o senador à Agência Senado.
Alessandro Vieira concorda. Para ele, a lei vem ando por um processo de enfraquecimento que precisa ser combatido.
— Infelizmente a lei a por um processo de redução de incidência, de enfraquecimento, que não vem de agora mas que tem talvez nas últimas duas propostas de alteração da legislação eleitoral seu principal ataque. A gente tem que enfrentar isso para que possa ter manutenção desse recurso tão importante para proteção do interesse público — argumentou.
O relator do projeto, senador Marcelo Castro, lembrou ter votado a favor da Lei da Ficha Limpa e disse que não há tentativa de desfigurar a lei, mas sim um esforço para sistematizar, uniformizar, corrigir incongruências e trazer mais transparência e mais regularidade às normas.
— Qual era o espírito da Lei da Ficha Limpa? Que a inelegibilidade se desse por oito anos. E nós estamos colocando aqui que nenhuma inelegibilidade será superior a oito anos. Esse que é o espírito. (…) Eu entendo que nós não estamos desfigurando a Lei da Ficha Limpa. Pelo contrário, estamos corrigindo alguns equívocos que existem hoje na para aperfeiçoá-la, para melhorá-la e para torná-la mais efetiva — disse o relator durante audiência pública na CCJ em abril.
Unificação de prazos
Outro projeto (PLP 192/2023), pronto para votação em Plenário, também busca impedir que as inelegibilidades se estendam por mais de 8 anos. O início do prazo depende do caso e pode ser a partir da decisão judicial que decretar a perda do mandato, da eleição na qual ocorreu prática abusiva, da condenação por órgão colegiado ou da renúncia ao cargo eletivo.
O projeto seria votado em março, mas foi retirado de pauta pelo relator, senador Weverton (PDT-MA), em busca de um entendimento para a votação, após críticas de senadores. O relator disse considerar a unificação dos prazos uma forma de evitar disparidades.
— Hoje, um senador que perca o mandato tendo cumprido apenas um ano fica inelegível por sete anos mais oito anos [após o fim do mandato], então vai para 15 anos; ao o que, se um deputado perder o mandato após três anos, ele fica inelegível mais oito anos, vai aí para nove anos, o que é uma disparidade — exemplificou o senador ao explicar o projeto, em março.
O líder da oposição, senador Rogerio Marinho (PL-RN), e o líder do PL, senador Carlos Portinho (PL-RJ), se manifestaram a favor das mudanças. Para eles, não se trata de enfraquecer a lei, mas de reafirmar o que era sua real intenção, além de reduzir a subjetividade.
— Ninguém está reduzindo aqui prazo de punição da Lei da Ficha Limpa. Eu nunca defenderia redução de prazo da Lei da Ficha Limpa. Nós estamos é reafirmando que o prazo é de oito anos e nem mais um dia, porque assim quis o legislador, e não há de querer um Judiciário, um ministro do STF ou qualquer outro, muito menos podendo utilizar para perseguição política — disse Portinho durante a tentativa de votar o texto.
Para Paulo Paim, o maior desafio da Lei da Ficha Limpa, hoje, é resistir às tentativas de enfraquecimento.
— Desfigurar a Ficha Limpa é ignorar o esforço coletivo que a tornou realidade. Sou enfático: não há porque mexer na Lei da Ficha Limpa, se o objetivo for outro que não seja desmantelar as conquistas que ela trouxe. Nenhuma legislação é perfeita, mas desidratar essa não é o caminho. Temos que aprimorar, nunca retroceder. Sigo firme na sua defesa — defendeu o senador.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado